quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Zygmunt Bauman e Jorge Luis Borges

     A partir de um tema proposto sobre a "imotalidade" presente nas obras de literatura pesquisadas, apresento uma discussão entre os textos de Zygmunt Bauman intitulado de “O Mal-Estar da Pós-modernidade” e o Conto de Jorge Luis Borges “O Imortal”. Ambos os textos trabalham em cima de um tema complexo que é a “imortalidade”, uma concepção de difícil contemplação filosófica e que não é uma discussão pós-moderna, pois desde que o mundo é mundo a morte é um mistério interessante, mas que até hoje não se tem algo definido sobre ela.

      Este contexto literário evoca algo mais antigo a respeito desta concepção de “imortalidade” antes mesmo da própria literatura moderna, a cerca de 1200 anos antes de Cristo. Mas precisamente em uma época em que vivia um dos maiores reis do Egito o Faraó Seti I durante uma época denominada "áurea" do reino egípcio.

      A cidade dos imortais aonde Joseph Cartaphilus chega após uma árdua caminhada, cheia de coisas extraordinárias como labirintos, corredores sem saída e janelas inalcançáveis terminam sem conduzir a parte alguma, “nesse palácio, construído por imortais para imortais, nada parecia ter sentido, nada servia a nenhuma finalidade” gerando assim uma busca de incertezas. Contrapondo essa viagem deste personagem, a vida de um dos maiores guerreiros do Egito nota-se a diferença que os separa no tempo e os aproxima na Pós-modernidade, por meios das “angustias” referente à morte. Na concepção egípcia a morte é uma passagem e não um fim certo, ou seja, uma continuidade que começa quando a “alma se separa do corpo”, onde o guerreiro enfrentará na morte a mais terrível de todas as batalhas (algo que parece com a viagem de Cartaphilus, mas após a morte).

      Tratando-se das realezas egípcias percebe-se que o corpo físico tem uma atenção fundamental comprovado pelo ritual de mumificação. Algo como “se o corpo fosse bem conservado a alma iria reconhecê-los e se unirem no além”, ou seja, a imortalidade presente após a morte como uma segunda jornada, que complementa a primeira. A realeza egípcia tem um lugar especial para descansar após a morte, alguns eram sepultados no Vale dos Reis após uma completa mumificação. Algo que se encerra de um lado e que começa em outro, uma luta pela ressurreição. No texto de Bauman ser imortal é coisa comum, com exceção do homem todas as criaturas são imortais, pois ignoram a morte. Para os mortais dar sentido as coisas esta acompanhado de saber que somos mortais, pois se a morte fosse algum dia vencida não haveria mais sentido em certas coisas da cultura humana (artes, ciência ou tecnologia).

      Para os egípcios após a morte uma jornada os espera, onde só poderiam ter êxito guiado por um livro, denominado “Livro dos Mortos”. O que prova que a morte também era tratada com seriedade por essas sociedades. Estudos de arqueólogos descrevem que quando um rei morre, torna-se o Deus Sol, pois se une a ele, numa identidade única. Como tal a batalha do Deus Sol no mundo inferior, é a batalha do próprio Faraó. Diferente dos pós-modernos para os egípcios o Sol era o santo dos santos, pensavam que se ele morresse literalmente a ocidente e em cada poente, logo rezavam para que voltasse a erguer-se a oriente na manhã seguinte. Observar a concepção egípcia quanto a essa passagem, percebe-se algo muito além da imortalidade, que outrora fora buscada por Cartaphilus. O Faraó e o sol tornavam-se uno uma imortalidade profunda e angustiante há 1200 anos.

      No texto de Baumam a imortalidade é discutida entre questões como coletivo e individual, onde afirma que “os seres humanos individuais são mortais”. Isso ocorre porque seres morem e as instituições a que eles pertenceram ficaram vivas (igreja, nação, partidos e causas). Bauman tem bastante sensibilidade de perceber esse contexto que molda muitas vezes a concepção do que deve ser imortal, devido suas qualificações aos grupos que pertencem. No Egito a vida na terra dependia do Faraó que morreu, pois quando este se unia ao sol a vida terrena dependia dessa jornada noturna, que se fosse bem sucedida traria o sol novamente no céu. Uma visão que mostrava que a vida dependia dos mortos que seguem em batalhas infinitas no além.

      A imortalidade egípcia não dependia somente da batalha, mas sim da pureza e da força mágica. Os egípcios buscavam a vida eterna, mas para isso precisavam ter um espírito puro e conhecimentos mágicos, onde a sabedoria iria abrir as portas para tal imortalidade. Uma imortalidade após a morte dependia também de uma conduta anterior, diferente da jornada de Cartaphilus, que buscava por uma cidade (cidade dos imortais) e que não tinha total pureza nem dons mágicos, mas a ânsia pela imortalidade.

      Bauman trata da morte “moderna” com várias nuances que o homem percorre em busca da imortalidade, por meio da ciência e logo ressalta que vivemos em uma época de temor demográfico. Porque agora a alta taxa de natalidade faz reluzir a questão dos recursos limitados. No Egito a vida dependia do sol, pois se ele não renascesse tudo morreria na escuridão, o sol era a vida, mas hoje a ciência fez nascerem outras fontes de vida, mas de forma limitada e paradoxal, como a tecnologia de transplantes e substituição de órgãos, a ciência em apoio com a medicina moderna adquiriu meios eficazes de prolongar a vida.

      Ao longo de milhares de anos, os egípcios desenvolveram formas elaboradas de tornar possível a jornada após a morte e ajudar a garantir uma vida perene. Esta demanda da imortalidade está no próprio cerne da civilização egípcia, pois para os antigos egípcios a jornada para o além era real. Assegurar essa vida eterna implicava numa organização de enorme número de pessoas e recursos, pois havia de alimentar exércitos de trabalhadores (escribas, pintores e artistas). Fica possível afirmar que as pirâmides e os túmulos edificaram o Egito, porque o seu conceito sobre a morte, o além e a imortalidade, levaram os egípcios a criar uma extraordinária arquitetura, lançando assim ao longo do tempo os alicerces de uma civilização que durou cerca de três mil anos. A imortalidade que evoco aqui para discutir com a imortalidade de ambos os autores, começa no túmulo (Egito). O túmulo egípcio quer se destinassem a reis ou a homens comuns, recriavam os cosmos e agiam como máquinas de ressurreição, nas quais o espírito do rei renascia e voltava a reunir-se ao corpo para que eles assim pudessem viver para todo sempre conduzindo a nação onde quer que estejam.

      Bauman cita outro fator importante pós-moderno, que é a informatização, pois com ela agora é possível ultrapassar as barreiras para futuras gerações como também banalizar de certa forma as obras, devido o fácil acesso e reprodução das mesmas sem preservação de uma autoria original. A relação que o Egito trouxe a essa discussão é possível no sentido de verificar a diferença que o conceito de imortalidade se deu ao longo deste processo de tempo. A sociedade pós-moderna busca de forma incansável a imortalidade por meios de vários recursos disponíveis, inclusive recorrendo a textos literários e outras formas de pesquisa e feitos. Borges trouxe combustível a essa questão por meio das mãos de Bauman que levantou vários pontos relacionados e imortalidade. A morte talves seja o segredo desta vida. Por mais que os intelectuais discutam sobre essas angustias relacionada à morte, sabemos que a grandeza que essa questão carrega transformou-se em um grande enigma, que escorre pelas mãos e cada civilização tem uma forma de lhe dar com esses questionamentos, ou seja, assim como os egípcios só nos será revelado este segredo após a morte, em nossa jornada no além.

BAUMAN, Zygmunt. O Mal-Estar da Pós-Modernidade. - Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor. 1998. p.190 - 204.


2 comentários:

  1. Muito bom seu blog . literatura da boa !

    Um abraço !

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  2. Baumam é muito bom! E nesse texto com Luis Borges é demais! Trabalhado por Álvaro, Émille e Lilian, aí é overdose de loucura historicoliterária!

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